Quarta, 17 Julho 2013
Baba Pecê fala sobre sua expedição na África
Passei onze dias viajando pelo continente africano, onde tive a oportunidade de conhecer os Reinos de Oyo, Ketu, Osogbo, Abeokuta e Ile Ife, não por acaso, cidades que abarcam grande parte da história africana que aportou por aqui.
Voltei ao Brasil renovado e com a certeza de que nós, "Povo de Asè", preservamos um legado cultural e religioso milenar, que aqui nossos antepassados nomearam de Candomblé. Eu e os demais membros do Terreiro de Òsùmàrè que estiveram à África, tivemos momentos de glória ao identificarmos os nossos cânticos e nossas práticas religiosas nos templos sagrados por onde passamos. Controlar a emoção que nos tomava foi algo muito difícil, vez que por vezes em nossas mentes, vinha a lembrança que naquelas terras nasceram os nossos Deuses, os nossos Òrìsàs. Também foi notório que algumas práticas dos nossos irmãos africanos, possuem diferenças em relação às nossas, mas foi nos detalhes que identificamos e reconhecemos o fio condutor nos rege, os Órìsàs.
Ao percorrer várias cidades da África, vi de perto o quanto o Candomblé resistiu no Brasil, o quanto essa cultura imaterial sobreviveu ao preconceito, a escravidão, as perseguições e a intolerância. Todos os anos de opressão, não nos fez esquecer nossas origens. Ver os africanos com suas roupas tradicionais, repletas de cores, as mulheres usando livremente seus panos de cabeça, me fez sentir em casa. Ao mesmo tempo, me fez refletir uma vez mais, sobre o preconceito de alguns ocidentais acerca dos "Trajes de Asè". Muitas de nossas roupas podem ser traduzidas com uma identidade, a identidade da cultura africana que corre em nossos sangues.
Fui convidado pelo Alafin de Oyo, Lamidi Adeyemi III, para ser um representante da cultura Yorùbá no Brasil. Confesso que as palavras me faltaram, pois nesse momento, me recordei da minha missão, das lutas, das dificuldades vividas, da missão de minha mãe Nilzete, da missão de minha avó Simplícia e de tantos representantes do Candomblé que lutaram com o próprio sangue para a preservação dessa milenar religião. Para mim, aquele convite, partindo do maior dignitário da dinastia Yorùbá, foi o reconhecimento do Candomblé como parte da cultura e religiosidade Yorùbá. Em verdade, uma conquista de todos os povos de santo. É uma honraria muito importante, mas tenho plena convicção que todo Babalòrìsà e Ìyálòrìsà representam a cultura africana em nosso País e, cada Terreiro de Candomblé é um reino.
Este reconhecimento do Alafin reafirmou e ampliou os laços do Brasil com o continente africano e tornou a minha expedição bem sucedida, uma vez que ao sair de Salvador rumo à África, meu propósito era justamente fazer um intercâmbio cultural e religioso. Ainda irei me reunir com o Conselho Religioso da Casa de Òsùmàrè, bem como, com lideranças de outros Terreiros, para oficialmente responder ao convite, a resposta está nas mãos dos Òrìsàs.
O objetivo da viagem foi superado, com grandes aprendizados não só culturais, mas também religiosos, porém, manterei com integridade o legado transmitido pelos meus ancestrais. Quem professa a doutrina dos Òrìsàs, sabe o quanto é importante preservar a tradição, manter os dogmas e os rituais religiosos de acordo com o que nos foi ensinado por nossos mais velhos.
Retornei do continente africano com um novo desafio pela frente. Contribuir para que a cultura Yorùbá permaneça viva. Hoje, o nosso continente matricial, que nos deu a vida e também alimenta a nossa fé, precisa do nosso apoio. A invasão de fanáticos de outros segmentos religiosos está dizimando os nossos templos sagrados, ameaçando extinguir uma cultura que com toda certeza deveria se tornar patrimônio da humanidade. Afirmo isso, pois com todos os sacerdotes eu conversei, a preocupação era a mesma. Posso dizer que a perseguição de intolerantes em número crescente na África é ainda mais ferrenha que a qual nós sofremos aqui.
É preciso assegurar que aqueles espaços não corram riscos de serem demolidos, seja por intolerantes, ou pela ação degradante do tempo em decorrência da falta de manutenção. Para isto, se faz necessário que esses espaços sejam considerados patrimônios históricos, a exemplo do que já acontece com alguns Terreiros aqui de Salvador. Voltei com a missão de convocar todas as pessoas que são de Asè, a se engajarem nesta luta para assegurar o que conhecemos como religiosidade africana.
Estou cada vez mais convicto de que nós, religiosos de matriz africana, devemos nos unir de forma organizada com o propósito de preservar a nossa cultura, preservar nossos Òrìsàs. Cada filho de Òrìsà, casa Sacerdote possuí um papel muito importante para isso, mas somente por meio da união organizada conseguiremos atingir o nosso objetivo.
Baba Pecê
Babalòrìsà do Terreiro de Òsùmàrè – Salvador - Bahia