Quarta, 20 Março 2013
Após 46 anos, o Mandú Retorna à Casa de Òsùmàrè
No sábado do dia 16 de março, a Casa de Òsùmàrè realizou a festa de Ògún Dekisi, que homenageia e reverencia a Divindade da saudosa Ìyálòrìsà Simpliciana Basília da Encarnação, a querida Mãe Simplícia de Ògún, que liderou o Terreiro entre 1.951 a 1.967.
Essa é uma festa muito aguardada por todos da comunidade, principalmente pelo povo antigo, ao passo que os remete à época de mãe Simplícia. Esse motivo já torna a festividade especial, pois traz uma carga afetiva muito grande, arrancando lágrimas e arrepios dos presentes, que se emocionam ao recordar de uma das Ìyálòrìsàs mais afáveis e importantes da Bahia.
Com o falecimento de Mãe Simplícia, alguns dos Oros (rituais) que eram praticados nessa festa, deixaram de ser realizados e, por vontade do próprio Ògún, foram resgatados nesse ano.
Como de costume, o Babalòrìsà Sivanilton da Mata, o nosso Pai Pecê, consultou o oráculo sagrado a fim de saber a vontade do Òrìsà. Via de regra, questões como quais serão os animais ofertados ou se há alguma orientação em especial são feitas aos Deuses. Nessa consulta, Ògún revelou que queria que sua festa fosse realizada em sua amplitude, como no passado, com todos os rituais praticados antes da partida de Mãe Simplícia para o Orùn, incluindo o "churrasco de Ògún", a "Galinha Gorda", o "Quebra Pote" e o "Mandú".
Desse modo, a comunidade da Casa de Òsùmàrè não mediu esforços para organizar a festividade de Ògún Dekisi, como era realizada antigamente, uma vez que, esta determinação apontava a satisfação do Òrìsà para com a comunidade.
No sábado, a festa propriamente dita ocorreu como todos os anos, reunindo uma multidão que se locomoveu à Federação, para prestar homenagem a Ògún, o grande guerreiro do Candomblé.
No domingo, por sua vez, os demais Oros que havia 46 anos não ocorriam, foram realizados para a supressa de muitos amigos e da comunidade circunvizinha ao Terreiro de Òsùmàrè. Ainda pela manhã, ocorreu a chamada "mesa fria", na qual os Òrìsàs manifestaram em suas filhas, dando início a uma nova festividade, nesta ocasião, no pátio defronte ao barracão.
Feito isso, os membros da comunidade carregaram em volta de uma grande mesa montada no pátio, as comidas que seriam comungadas por todos. Além disso, as comidas também foram apresentadas no Asè central da Casa, em sinal de respeito e reverência ao Òrìsà patrono do Terreiro.
Nesse momento, foi entoada a cantiga do Ògún de mãe Simplícia, emocionando todos que aclamavam o grande guerreiro com a saudação "Ogun Ye". Essa cerimônia antecedeu as "brincadeiras" que precedem o Mandú, tais como a corrida de saco, o pau de sebo, a galinha gorda, o ovo na colher e o quebra pote.
Dado momento, para o contentamento de todos, o Mandú saiu como nas décadas de 50 e 60, percorrendo não somente o Terreiro de Òsùmàrè, bem como, as ruas próximas, contagiando os moradores do bairro.
A história ainda hoje contata pelos antigos do Terreiro, versa que existia um casal que brigava muito, principalmente pelo gênio difícil do marido. Muito nervoso com a esposa e desprovido de qualquer tipo de razão, esse marido rogou uma praga à sua esposa, dizendo que ela teria um filho deficiente que lhe tomaria todo o tempo, não lhe sobrando nada a fazer, senão cuidar dessa criança.
Passado algum tempo, essa mulher engravidou de uma criança com uma grave deficiência na perna. Triste com a situação e envergonhada por conta do marido, esse mulher foi morar em um bosque, isolando-se de tudo e de todos, fazendo com que essa criança ficasse muito triste, pois não brincava e não participava do convívio em sociedade.
Quando essa criança já estava andando com bastante dificuldade em função da deficiência, Yemoja, a grande mãe das águas organizou um evento, ordenando que todos da cidade comparecessem para celebrar. Ao saber que havia uma mulher e uma criança que viviam no bosque, Yemoja mandou que a chamasse, pois também os queriam em sua festa.
A mulher chorando copiosamente, contou toda sua história, dizendo à Yemoja que não iria para não constranger seu filho. Yemoja lhe entregou certa quantia de búzios (o dinheiro da época), mandando que ela comprasse tecidos coloridos para vestir seu filho, para que ele também pudesse confraternizar na festa que aconteceria.
Conforme determinação de Yemoja, a mulher comprou muitos panos, vestindo inteiramente a criança, de modo que ninguém a conseguisse ver. Yemoja, disse ainda, que ela deveria ter orgulho de seu filho, pois na verdade, ele não foi fruto da praga do seu marido, mas sim, um presente de Olodunmare, que confiou a ela a responsabilidade de cuidar de uma criança muito especial, que fazia parte de uma importante comunidade, o Egbe Orun.
Ao chegar à festa, a criança (Mandú) começou a brincar e pular por todos os lados. Sendo as brincadeiras, as mesmas que ainda são realizadas (galinha gorda o quebra porte, etc.). Contudo, algumas pessoas que lá estavam começaram a desdenhar daquela figura desconhecida.
Ògún, por sua vez, protegeu o Mandú, dizendo que todos o respeitassem, pois aquele que não o fizesse, conheceria o fio de sua espada. Assim, o Mandú com suas vestes e brincadeiras, trouxe grande alegria para todos que também ficaram felizes ao ver como aquela criança se divertia como nunca havia acontecido. A partir desse momento, Mandú começou a ser protegido por Ògún e, nesse ano, voltou a ser reverenciado em sua festa na Casa de Òsùmàrè.
Dessa forma, nós do Terreiro de Òsùmàrè, rogamos à Ògún Dekisi que proteja a todos, da mesma forma como ele olha e cuida por Mandú. Pedimos ainda, que Mandú traga felicidade e alegria, harmonizando os lares e famílias.
Terreiro de Òsùmàrè