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Baba Pecê discursa sobre a importância da afirmação religiosa

Sexta, 09 Dezembro 2011

Baba Pecê discursa sobre a importância da afirmação religiosa

Nesta sexta-feira, dia 9 de dezembro de 2011, durante a reunião com os membros do Conselho Deliberativo da Casa de Oxumarê para definir a agenda de 2012, relativa às ações e estratégias de defesa contra o desrespeito e intolerância fundado em credo e crença religiosa.o Babalorixá Pecê de Oxumarê, fez um discurso sobre a importância da afirmação da identidade religiosa. Na oportunidade, Babá, como é mais cohecido, discorreu sobre as práticas discriminatórias das quais são vítimas as comunidades tradicionais de terreiro e os adeptos da religião do candomblé e apresentou propostas para o enfrentamento de tão grave questão social.

Confira, na íntegra, o pronunciamento do Babalorixá.

"Por muito tempo, o povo de candomblé foi obrigado esconder a sua fé, sua religiosidade e negar suas origens e sua história para sobreviver, porque esta era a única forma de garantir sua subsistência, preservação e continuidade. Falamos de um passando de sofrimento, luta e resistência para defesa e preservação da história, cultura e religiosidade herdada dos nossos ancestrais africanos, que tanto contribuíram para o processo civilizatório nacional.

O legado deste passado foi reconhecido pela Constituição Federal/88, que prevê mecanismos para valorização da diversidade étnica e regional dele resultante, ao tempo em que declara que constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; e os sítios de valor histórico. Este é o caso da contribuição do negro africano, sua cultura e religiosidade com seus templos e acervos de bens materiais e imateriais.

Portanto, todas as manifestações de cultura e religiosidade africana e afro-brasileira são constitucionalmente protegidas, como também são assegurados a todo o povo brasileiro, e àqueles que cultivam e preservam estas manifestações legadas pelo povo africano, o pleno exercício da liberdade religiosa, dos direitos culturais e do acesso às suas fontes guardadas, em sua maioria, nos terreiros, em documentos e na memória dos mais antigos.

Esta proteção constitucional decorre do objetivo maior do Estado brasileiro de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, credo ou crença religiosa, ou quaisquer outras formas de discriminação, como exigido pelo princípio maior da igualdade de todos perante a lei. Este princípio, no campo da liberdade de consciência e de crença, exige a garantia do livre exercício dos cultos religiosos, a proteção dos seus templos e de suas liturgias.

Não obstante, temos presenciado graves e constantes violações a estes direitos através de atos de intolerância e desrespeito externados em campanhas de demonialização dos modos de criar, fazer e viver dos adeptos das religiões de matriz africana. Não há dúvida de que estes atos têm sido orientados para imposição de um único credo religioso em detrimento dos demais, com a consequente negação da nossa diversidade cultural e religiosa, e da garantia constitucional da liberdade religiosa que exige, também, liberdade de suas formas de expressão.

Aqueles que têm praticado ou patrocinado tais atos discriminatórios esquecem que a liberdade religiosa é direito de todos, portanto não é direito privativo deste ou daquele que integra este ou aquele grupo que professa uma determinada fé, que pretende seja a única possível em um Estado diverso e plural, como é o Estado brasileiro.

Diante deste quadro de violência dirigido às religiões de matriz africana e seus adeptos chega-se à triste conclusão de que, ontem, como hoje, devemos desenvolver estratégias de sobrevivência: se, em um passado recente e sombrio, escondíamos nossa história, fé e religiosidade, hoje devemos fazer valer o direito à liberdade religiosa. Para tanto faz-se necessário assumir nossa identidade religiosa e de culto, afirmando-a e reafirmando-a de forma continua e concreta, única maneira possível de superar o irracional e desfundamentado preconceito religioso.

Negar quem somos ou nos escondermos, como foram obrigados a fazerem nossos ancestrais no passado, é abrir caminho para nossa exterminação, ou, na melhor das hipóteses, para o esquecimento pelos nossos governantes, que continuarão a se omitir ou atuar de forma complacente diante dos atos concretos de perseguição e desrespeito praticados contra as comunidades tradicionais de terreiro, sua fé, religiosidade, cultura e identidade étnica.

Como já afirmamos, a Constituição Brasileira assegura a todas as pessoas residentes no território nacional o direito de professar livremente, e em condições de igualdade, a sua fé. Contudo, o medo da perseguição e da discriminação é fato, e ainda se apresenta como um fantasma para os adeptos do candomblé. Não por outra razão muitos dos nossos se vêm obrigados a esconderem a sua fé, não poucas vezes para ter acesso a um posto de trabalho, obter ascensão profissional, ou para não ser alvo de preconceito e discriminação no mundo do trabalho e, em outros espaços, inclusive em salas de aula, como professor ou aluno, das redes de ensino público e/ou particular.

Pesquisa recente do IBGE, de 2010, demonstra que as religiões de matriz africana representam apenas 1,5% dos brasileiros. Sabemos que este número é infinitamente menor do que somos de verdade. Estamos em todos os lugares, em diversos espaços, públicos e privados.

Nosso povo, com sua história, tradição, religiosidade e cultura, agrega multidões que participam de festas públicas, católicas e sincréticas, realizadas na Bahia e em outros estados da Federação.

Também é a história, a cultura, a tradição e a religiosidade legada pelo africano que representa a identidade do povo e da nação brasileira, e traz para o Brasil e, neste, para o Estado da Bahia, milhares de turistas, fortalecendo a economia nacional e do Estado.

Contudo, apesar destas relevantes contribuições econômicas e culturais, nossos templos religiosos carecem de efetiva proteção enquanto patrimônio histórico-cultural do Estado brasileiro.

Fato é que os povos das comunidades tradicionais dos terreiros ainda carecem de uma política efetiva de regularização fundiária, como carecem de uma política efetiva que lhes permita preservar seu patrimônio material e imaterial. Carecem de segurança contra os atos de vandalismo, intolerância e desrespeito religioso, que atentam contra o direito fundamental de liberdade de crença e culto. Carecem de proteção para sua infância e juventude, como carecem de proteção para os seus mais velhos. Carecem de políticas efetivas para inclusão social e produtiva que respeite a diversidade que representa esta comunidade tradicional. Carecem, enfim, de políticas de assistência, emprego, renda, saúde, educação, cultura e meio ambiente que respeite e potencialize seus valores, identidade e diversidade étnico-cultural e religiosa. É certo que em todos estes campos existem políticas públicas, mas também é certo que tais políticas, quando referidas à população afro-brasileira que integra as comunidades tradicionais de terreiro, são meramente simbólicas.

Diante deste quadro e da perseguição medieval que atinge os membros das comunidades tradicionais de terreiro, chegamos à triste conclusão de que já é passada a hora de reivindicarmos o respeito ao lugar que, os negros africanos e afro-brasileiros, de fato e de direito, ocupam na formação da história e cultura da nação brasileira. Para esta finalidade devemos demostrar quantos realmente somos, pois, apenas assim, teremos voz e força para exigir a formulação e implementação de políticas públicas adequadas à realidade de exclusão e discriminação que é vivenciada por significativa parcela do povo brasileiro. Mas, principalmente, exigir providências contra atos de desrespeito e intolerância praticados em diversos espaços públicos, como são alguns templos religiosos, salas de aula, e, principalmente, emissoras de TV e rádio, nas quais, a pretexto de exercitar liberdade de expressão, é difundida determina fé através de ataques discriminatórios às religiões de matriz africana e seus adeptos.

Contudo, tais atos de violência implícita ou explícita, têm contado com a complacência daquele que lhes outorga a concessão, permissão ou autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens: O Estado, a quem a Constituição impõe, como dever, a obrigação de garantir o direito de liberdade e de culto a todos e com respeito estrito ao princípio maior da igualdade, o qual não comunga com práticas discriminatórias fundadas em credo ou crença religiosa.

Atenta ainda contra a liberdade religiosa a franquia de canais abertos de TV por assinatura a instituições/ empresas, que as utilizam para difundir, de forma indiscriminada, crenças religiosas através do ataque ostensivo a outras religiões que professam credo e crença diversos dos seus, como é o caso das religiões de matriz africana, do catolicismo, do espiritismo, apenas para citar algumas.

Estas ações que as leis brasileiras qualificam como criminosas e discriminatórias são intoleráveis em um Estado que se afirma democrático e de direito. São ações grosseiras e ofensivas à liberdade constitucional de crença e de culto nas quais se repetem um único e repetitivo discurso: a satanização e difamação das nossas práticas religiosas e dos nossos Orixás, Inquices, Vodúns, caboclos.

Estes discursos afirmam que somos adoradores do diabo, mas, em nossa cultura e religiosidade, desconhecemos esta entidade, muito menos a cultuamos. A existência do diabo é uma crença cristã e protestante, não das religiões de matriz africana.

Por esta e muitas outras razões, nós, os adeptos do candomblé, devemos exigir de todos, do Estado e da sociedade, respeito, na exata medida daquele que praticamos em relação a todas as outras manifestações religiosas. Esta é a razão pela qual temos o dever de nos assumirmos, de dizer que somos de Àse.

É importante para a preservação de nossa fé e religiosidade que Estado e sociedade reconheçam, de fato, a nossa existência, quem somos na formação da história e cultura do Estado brasileiro, e onde atualmente nos encontramos.

Dizer que é de Àse é compromisso com a nossa religião, com nossos Òrìsà. É garantia da preservação da nossa história, da nossa cultura, da nossa fé e religiosidade. Portanto, é nosso dever defendê-las. Para isto, faz-se necessária organização para exigir o elementar direito reconhecido a todo cidadão em face do Estado e da sociedade: o respeito e cumprimento das leis que condenam as práticas discriminatórias das quais fomos vítimas no passado, e seguimos sendo em pleno século XXI.

Como forma de repúdio à omissão estatal contra atos de discriminação fundados em credo e crença religiosa, possuímos, como cidadãos que somos, a maior e mais forte das armas: nosso direito ao voto.

Nosso voto deve ser direcionado àqueles que demonstrem efetivo compromisso com a efetividade dos direitos e garantias constitucionais vinculados à liberdade religiosa e à proteção e defesa dos direitos e garantias das comunidades tradicionais de terreiro, e do seu patrimônio material e imaterial.

Para tanto é necessário que nos organizemos enquanto religião reconhecida pelo Estado, apresentando e difundindo na sociedade nossos dogmas, valores e posições relacionados a temas controvertidos; que reconheçamos e formemos lideranças políticas capazes de lutar e defender os direitos das comunidades tradicionais de terreiro; que não permitamos o uso político de nossas comunidades, de nossa história de luta e resistência, de nossos princípios e dos nossos valores, para patrocinar a ascensão política daqueles que têm como finalidade primordial a sua ascensão econômica à custa dos nossos direitos e garantias constitucionais.

Os atos de ódio religioso, realizados livremente no Estado brasileiro, devem ser punidos. Podemos e devemos exigir dos poderes instituídos a efetiva punição de tais práticas discriminatórias, pois, em pleno século XXI, não queremos mais ser tolerados, mas, sim, respeitados. Quem é de Axé, diz que é!"