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Terça, 19 Novembro 2019

Adeptos do candomblé amarram tecidos sagrados em árvores para exigir respeito religioso e transformação para o Brasil

Yuri Silva

Quando as ruas de Salvador amanhecerem cobertas de tecidos brancos no próximo dia 23 de novembro, baianos e turistas saberão que a décima terceira edição da Alvorada dos Ojás aconteceu. Em 2019, adeptos do candomblé promovem a atividade da noite do dia 22 para a madrugada do dia 23 de novembro (sexta-feira e sábado), amarrando árvores da capital baiana com tecidos sagrados usados nos cultos afro-brasileiros (os ojás).

O objetivo da atividade é questionar a onda de discursos de ódio que tomou o País, o desmonte dos direitos dos trabalhadores, das minorias e do povo negro pelo atual presidente da República, além dos diversos ataques sofridos por terreiros de candomblé e seus sacerdotes e sacerdotisas no último período, e aproveitar a oportunidade para pedir paz, respeito à liberdade religiosa e equilíbrio entre as pessoas.

Neste ano, a Alvorada dos Ojás traz como tema 'Oxumarê, Bessem e Angorô', divindades representadas, cada uma na sua nação do candomblé, pelo arco-íris e pela cobra. São elas, segundo a tradição afro-brasileira, as divindades que conduzem as transformações. Por isso, foi escolhido para 2019 o lema "Transformação por um Brasil sem racismo, miséria e fome".

Promovido há 12 anos pelo Coletivo de Entidades Negras (CEN), entidade nacional do movimento negro brasileiro, o evento terá início às 18h com um ritual público de sacralização dos ojás no Ilê Axé Oxumarê Araká Ogodo, conhecido publicamente como Casa de Oxumarê, que tem acessos tanto pelo Final de Linha da Federação quanto pela Avenida Vasco da Gama.

A atividade, na qual os religiosos pedem permissão aos orixás para iniciar os trabalhos, é aberta para todos, que devem vestir roupas brancas, em reverência a Oxalá. O babalorixá Sivanilton Encarnação da Mata, o Babá Pecê, sacerdote da Casa de Oxumarê, vai liderar a cerimônia ecumênica, que ainda terá convidados de diversas outras religiões para simbolizar a união.

"Essa atividade, que acontece todos os anos, tem uma beleza e importância muito grandes, pois é uma sinalização de diversas denominações religiosas no sentido da construção de um Brasil mais igualitário, sem violência religiosa e sem racismo religioso", defende Babá Pecê.

Na sequência, a amarração dos ojás será feita em árvores do Dique do Tororó, do Campo Grande, Corredor da Vitória, Pelourinho, Suburbana e no Largo do Santo Antônio Além do Carmo.

O processo dura toda a madrugada e acontece de forma coletiva, com voluntários que se locomovem em vans e carros particulares. O grupo de parceiros da atividade inclui o afoxé Filhos de Gandhy, o artista plástico e fundador do Cortejo Afro, Alberto Pitta, responsável pela pintura dos 2.000 metros de tecidos com elementos ligados ao candomblé.

Além disso, a Alvorada dos Ojás, no ano de 2019, foi contemplada na seleção pública do Edital Arte Todo Dia, da Fundação Gregório de Mattos, e também conta com o apoio da Secretaria da Cultura do Estado da Bahia (Secult-BA), da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (Sepromi), da Bahiatursa (Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia) e também conta com o apoio editorial da Rede Bahia de Televisão.

Para a coordenadora-geral do CEN e Ekedy da Casa de Oxumarê, Iraildes Andrade, a Alvorada dos Ojás de 2019 é especialmente significativa, por acontecer num destruição de direitos constituídos da população negra e das minorias, em um governo notadamente autoritário.

"Queremos apenas que as pessoas se respeitem, respeitem as escolhas das outras, as opções religiosas, as opções políticas, e que o ódio seja banido do nosso convívio. Quando pedimos a Oxumarê que promova a transformação do nosso país, que vive essa situação atualmente, estamos falando que nosso projeto para o Brasil é um projeto inclusivo, sem violência, um projeto que caiba todas as pessoas dentro dele, sem opressão, sem machismo, sem misoginia, sem racismo e sem ódio religioso", defendeu Iraildes, explicando a importância da atividade.

Ogã de Ewá e Ojuobá da Casa de Oxumarê, historiador e mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Faculdade de Administração da UFBA, o ativista do movimento negro Marcos Rezende também analisa a simbologia da Alvorada dos Ojás para as religiões afro-brasileiras.

“O ojá é o traje que cobre o ori (a cabeça). Já a árvore é um elemento sagrado da natureza, no mito fundador da nossa religião e garantidora da nossa existência. "Ossi ewé, ossi Orixá (sem folha não existe Orixá). Sem elas não existiria vida. É sobre a garantia da vida dos fiéis do candomblé que desejamos tratar, é sobre o direito constitucional que as pessoas têm de cultuar a sua religião, a sua fé, ou até, de não possuir religião alguma. Sabemos que o racismo religioso nos atinge porque essas religiões são oriundas da África”, explica Marcos Rezende.

Além da atividade já tradicional, em 2019 a Alvorada dos Ojás também promoveu uma exposição com fotografias de edições anteriores, registradas pelo fotógrafo Fafá Araújo, e também com roupas feitas com ojás retirados das árvores. A instalação, aberta durante o mês de novembro em comemoração ao Mês da Consciência Negra, está no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), na Avenida Contorno, e tem curadoria de Alberto Pitta e Marcos Rezende.